quarta-feira, 2 de julho de 2008

Não quero nada

Não quero nada
Já disse que não quero nada
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos
Não me enfileirem conquistas das ciências, das artes,
da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade?

Sou assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço
Quero ser sozinho
Já disse que sou sozinho!

Nada me dais, nada me tirais
Nada sois que eu me sinta
Deixem-me em paz!


Por Álvaro de Campos de Fernando Pessoa

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